Recompensa vs castigo
“A filosofia [ciência] está escrita nesse grande livro, o Universo, que está permanentemente aberto e ao alcance dos nossos olhos. Mas o livro não pode ser compreendido sem antes aprendermos a linguagem e os carateres em que está escrito. – Galileu”
É a reciprocidade uma lei criada para a humanidade?
A reciprocidade, na sua conceção, alimenta o conceito duo de recompensa vs castigo, causa e efeito, com o qual as ações do ser humano serão de fruto recompensador, com as alegrias do céu [se estas se inserirem no cumprimento das leis], ou de castigo perene, nas profundezas do inferno, se, porventura, houver prevaricação dessas mesmas leis.
O discurso poderá ser diferente conforme o orador, ou os conceitos das diversas organizações religiosas ou de cariz filosófico.
É de salientar, que o produto dessa lei, inevitavelmente, conduz ao equilíbrio do relacionamento do homem em sociedade, em que a posição do outro deve ser tomada em igualdade de circunstâncias e direito.
Também regula, a não menos importante faceta do homem, liberdade, que o conduz ao exercício de livre opinião e, consequente tomada de decisão, logo, sujeita aos efeitos da lei pela ação do livre arbítrio.
“Entre todas as criaturas da Criação só o espírito humano tem livre-arbítrio…” (¹)
O conceito de recompensa vs castigo não se insere no equilíbrio natural da natureza, pois isso, como fator de instabilidade, não confere justeza à Vontade do Criador. Deus não castiga, a lei cumpre-se naturalmente, também não recompensa, pois o resultado do cumprimento da lei é automático, assim é!
“Aprendei a observar atentamente as correntezas nesta Criação e a utilizá-las direito, pois trazem em si a Vontade de Deus e com ela a Justiça de Deus em forma pura.” (²)
É a reciprocidade uma lei da natureza?
A natureza rege-se por leis automáticas que geram equilíbrio. Tudo o que está em dissonância é, por natureza, expelido ou sujeito à ação das leis para voltar à normalidade, não como castigo, mas fruto da ação do equilíbrio e do renascer.
Isaac Newton definiu na sua 3ª lei, movimento, ação vs reação, a reciprocidade como uma lei da física [natural]: “As forças atuam sempre em duo, para toda a força de ação, existe uma força de reação.”
“Deus vos fala através de Sua Criação. Se, portanto, quereis progredir nela tendes antes que aprender a Sua Fala.” (¹)
Todas as leis que gerem os universos, aplicam-se naturalmente ao ser humano, como parte integrante do todo. Este está sujeito ao equilíbrio, indispensável, para uma boa atividade em sociedade e de harmonia com a natureza da coisa, todas as suas ações, sejam de modo físico ou psíquico, obtém pela reciprocidade e pela mesma via o resultado do querer.
O ser humano é parte ativa e íntegra na natureza e não um mero espetador que de fora assiste a um espetáculo sem dele fazer parte.
O cumprimento das leis da natureza é um ato natural em si, sem imposição ou vontade do interveniente. No dia em que o homem se integrar no ciclo e cumprir, o sofrimento pelo desajustamento cessará e a alegria do bem viver será a sua atividade natural.
“Feliz daquele que pode denominar suas, muitas e tão fortes vivências, quer tenham sido de alegria ou de dor suas origens, pois essas impressões serão um dia o que de mais valioso uma alma humana levará consigo em seu caminho para o Além.” (³)
A gravidade, lei natural, é cumprida pelo homem inconscientemente, nem passa pela cabeça de alguém desafiar esta lei no cumprimento de um desejo próprio, sem que daí lhe advenha, por efeito da lei da reciprocidade, pesados danos e consequente sofrimento.
Se cumprimos as leis do homem, porque não cumprir as leis de Deus expressas na Criação?
Reciprocidade, com ou sem misericórdia?
No seguimento da lei natural, o curso da coisa conduzirá à reciprocidade pela ação, no entanto, onde se introduz a ação do homem, é certo e inevitável, a justiça é fria e cega e a injustiça o segue, desprovida de amor e misericórdia.
Foi por isso que Jesus apelou ao perdão, intrínseco ao amor, porque a lei aplicada pelo homem ou por ele explicada é carente de fundamento humanista e de clareza objetiva.
“Eis que já estás são; não peques mais, para que te não suceda alguma coisa pior.” (⁴)
Séria advertência, plena de amor, que Jesus dirigiu ao paralítico que tinha sido curado por força do amor, intrínseco à reciprocidade. Se ele perdoou, na agonia da crucificação, que direito tem o homem de levantar a mão e apontar o dedo ao outro, gesto acusador e reprovador, ou em indiferença olhar para o lado e descansar que a aplicação da reciprocidade colhe os seus frutos?
“Por isso clamo para vós mais uma vez, advertindo: vivenciai o sofrimento do próximo! (…) Sem um verdadeiro vivenciar não há amadurecimento espiritual! Obrigai-vos por isso, com toda a força para o vivenciar! Familiarizai-vos com a penúria e os sofrimentos alheios, e despertai dessa forma em vós a misericórdia.” (⁵)
Só é sujeito ao perdão o que está em falta [fruto da ação do livre arbítrio] e este merece-o, independentemente do seu estado emocional ou de rejeição, é dever intrínseco do ser humano perdoar, se se quer libertar dos liames que o prendem, pelas muitas vivências relacionais, à matéria.
É certo que as leis da natureza, automáticas e perfeitas, não estão sujeitas ao relacionamento humano, ao seu entendimento, mas sim a um poder maior de condução e atuação.
O relacionamento humano induz a lei a funcionar e é a sua condução que conduz o desfecho sobre si, seja ele qual for!
Neste caminho de remissão e criação de culpa, onde começa a fronteira da reciprocidade e a da injustiça, porque até o prevaricador também é vítima.
Alma Lusa
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Na Luz da Verdade – Mensagem do Graal
de Abdruschin – I volume
(¹) Dissertação: A Fala do Senhor
(²) Dissertação: Enrijecimento
(³) Dissertação: Era uma vez…!
...
(⁴) João, 5-14
(⁵) O que a humanidade perdeu, Páscoa 1932